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quinta-feira, 21 de maio de 2009

Os Crimes da Ditadura Ainda Causam Sofrimento

O MAIS BELO JULGAMENTO QUE JÁ ASSISTI
Por Ivete Caribe da Rocha

Sempre que compareci a reuniões de militantes históricos de esquerda (tive o privilégio de assistir palestras de Luis Carlos Prestes, entre outros), saía com uma profunda nostalgia, dor mesmo, por tudo o que eles e seus familiares sofreram nas ditaduras recentes. Ficava a sensação de uma grande dívida da nossa sociedade, onde me incluo, a essas dignas pessoas que deram suas vidas, sua liberdade e seu futuro, em prol da construção de uma democracia, que dá seus primeiros passos nesse momento.
Não imaginei porém, quão doloroso é remexer no fundo do baú da nossa história recente, parece ser fácil, mas pude ver, que não é. O simples reencontro das pessoas, que, como eu, sonhavam com Igualdade, Liberdade e Justiça para todos, remeteu-me àqueles anos sombrios da ditadura militar, de triste memória. Foram pessoas que abandonaram uma vida confortável, outras tiveram de interromper carreiras, trabalhos, para embrenhar-se numa luta renhida e desigual, a uns deixando seqüelas e a outros, um caminho sem volta.
A Comissão Especial de Anistia, formada por jovens advogados e promotores que constituem a chamada “Caravana da Anistia”, veio realizar Julgamentos de processos dos presos e perseguidos políticos da ditadura militar. Impressionou a todos, a bagagem de conhecimento e sensibilidade dessa Comissão, confesso que eu nunca tinha visto em minhas andanças por Tribunais, nesses meus trinta e dois anos de militância na advocacia, Julgadores com esse espírito e com essa vontade de reparar os atos truculentos da ditadura. Emocionou-me sobretudo, a leitura dos relatórios processuais e o interesse da Comissão pela busca da verdade real, tão falada na nossa Justiça, mas pouco encontrada e buscada de fato. Lembrando-se ainda, que a busca de provas é muito mais difícil do que no processo comum, porque, não raro, elas estão em mãos dos repressores, que, evidentemente, não têm o menor interesse de as entregar.
O relato dos anistiados, foi o momento de maior emoção, levando às lágrimas todos quantos assistiam ao Julgamento. Histórias como a de Rômulo Dirceu, de Dimas, de Gildo, entre outros. O primeiro, tinha apenas dezessete anos, quando foi preso pelos Órgãos de repressão da ditadura militar, porque, juntamente com seus irmãos, procuravam informar aos estudantes o que estava acontecendo no País, o segundo (Dimas), então um jovem professor, recém ingressando à Faculdade de Direito, foi obrigado a fugir, clandestinamente do Brasil, buscando asilo no Chile de Allende, onde conheceu uma grande mulher, que é sua esposa (Gladys), Uruguaia, que também fugia da ditadura em seu País, tendo ambos, em pouco tempo de buscar asilo em outros países, diante do golpe militar contra o governo socialista de Allende, até chegar a Bélgica, onde tiveram seus filhos e passaram a viver. O terceiro, Gildo, também professor, preso pelos órgãos de repressão, teve de amargar a falta de emprego muitos anos depois, ante a pecha de “subversivo”, que motivou inúmeras negativas de trabalho, hoje bastante debilitado e doente. Vidas que foram atingidas pelo raio maligno das ditaduras, interrompendo seu curso natural, pelo simples fato de sonharem e lutarem por um mundo ideal.
Temos ainda muitas histórias dos anônimos que tombaram, aqueles que a sociedade sequer tomou conhecimento, porque a ditadura militar brasileira, como disse nosso grande companheiro Jair Krischke, foi a mais dissimulada de todas. Até hoje os arquivos da repressão não foram abertos completamente e as poucas informações só são conseguidas com grandes dificuldades.
É preciso que a sociedade brasileira tome consciência da verdade, do que foi essa ditadura militar e do que sofreram os brasileiros e os latino-americanos que ousaram discordar e lutar pela volta a democracia. Que tome consciência também, dos enormes prejuízos que atualmente sofrem nossos filhos e as próximas gerações, com a quebra das lideranças, especialmente a estudantil, formando uma geração, politicamente apática e sem conhecimento dos mais elementares direitos do cidadão, empurrando-a para o covil das drogas e da depressão. Por tudo isso, a minha emoção e respeito a todos os anistiados e anistiandos pelas suas histórias de lutas e ideais e todo meu apoio a Caravana da Anistia, que me fez ver o mais belo julgamento!

Ivete Caribe da Rocha
Membro ativo do SERPAJ-Brasil,
Advogada de Movimentos Sociais

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