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sábado, 23 de janeiro de 2010

Ensinamentos que nos chegam do Haiti

Com o título, os pecados do Haiti, o grande escritor uruguaio Eduardo Galeano, publicou no dia 15 último esse artigo que está correndo o mundo pela internet e que por concordar inteiramente com seu conteúdo o reproduzimos aqui numa tradução livre.
A situação de intervenções e violações dos direitos do povo haitiano vem de longa data. Agora mesmo os ditos "governos de esquerda" como o Brasil, estão lá para sustentar um golpe "político militar intervencionista" perpetrado pelos Estados Unidos e França contra um governo constitucional, democrático e legitimamente eleito. Há muita contradição nos discursos de solidariedade a Manuel Zelaya, vítima de golpe de Estado em Honduras, ao mesmo tempo que guardam o mais completo silêncio e mesmo se engajam na sustentação do golpe contra o padre Jean Bertrand Aristide.
É imperdoável que se cometa hoje com o Haiti e seu povo o mesmo que fez nos inícios do século XIX, de modo absolutamente ingrato e oportunista, o hoje cantado em verso e em prosa Simon Bolivar.
Não podemos se simplistas nem simplórios!

Vamos ao texto do Galeano:

Os Pecados do Haiti





Por: Eduardo Galeano

A democracia haitiana nasceu há pouco tempo. No seu breve tempo de vida, esta criatura faminta e doentia não recebeu senão bofetadas. Era uma recém-nascida, nos dias de festa de 1991, quando foi assassinada pela quartelada do general Raoul Cedras. Três anos mais tarde, ressuscitou. Depois de haver posto e deposto tantos ditadores militares, os Estados Unidos retiraram e puseram o presidente Jean-Bertrand Aristide, que havia sido o primeiro governante eleito por voto popular em toda a história do Haiti e que tivera a louca ideia de querer um país menos injusto.

O voto e o veto
Para apagar as pegadas da participação estadunidense na ditadura sangrenta do general Cedras, os fuzileiros navais levaram 160 mil páginas dos arquivos secretos. Aristide regressou acorrentado. Deram-lhe permissão para recuperar o governo, mas proibiram-lhe o poder. O seu sucessor, René Préval, obteve quase 90 por cento dos votos, mas mais poder do que Préval tem qualquer chefete de quarta categoria do Fundo Monetário ou do Banco Mundial, ainda que o povo haitiano não o elegeu com um voto se quer.
Mais do que o voto, pode o veto. Veto às reformas: cada vez que Préval, ou algum dos seus ministros, pede créditos internacionais para dar pão aos famintos, letras aos analfabetos ou terra aos camponeses, não recebe resposta, ou respondem ordenando-lhe:
– Recite a lição. E como o governo haitiano não acaba de aprender que é preciso desmantelar os poucos serviços públicos que restam, últimos pobres amparos para um dos povos mais desamparados do mundo, os professores dão o exame por perdido.

O álibi demográfico
Em fins do ano passado, quatro deputados alemães visitaram o Haiti. Mal chegaram, a miséria do povo feriu-lhes os olhos. Então o embaixador da Alemanha explicou-lhe, em Porto Príncipe, qual é o problema:
– Este é um país superpovoado, disse ele. A mulher haitiana sempre quer e o homem haitiano sempre pode.
E riu. Os deputados calaram-se. Nessa noite, um deles, Winfried Wolf, consultou os números. E comprovou que o Haiti é, com El Salvador, o país mais superpovoado das Américas, mas está tão superpovoado quanto a Alemanha: tem quase a mesma quantidade de habitantes por quilômetro quadrado.
Durante os seus dias no Haiti, o deputado Wolf não só foi golpeado pela miséria como também foi deslumbrado pela capacidade de beleza dos pintores populares. E chegou à conclusão de que o Haiti está superpovoado... de artistas.
Na realidade, o álibi demográfico é mais ou menos recente. Até, há alguns anos atrás, as potências ocidentais falavam mais claro.

A tradição racista
Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiraram-se quando conseguiram os seus dois objetivos: cobrar as dívidas do Citybank e abolir o artigo constitucional que proibia vender lavouras aos estrangeiros. Então Robert Lansing, secretário de Estado, justificou a longa e feroz ocupação militar explicando que a raça negra é incapaz de governar-se a si própria, que tem "uma tendência inerente à vida selvagem e uma incapacidade física de civilização". Um dos responsáveis pela invasão, William Philips, havia incubado tempos antes a ideia sagaz: "Este é um povo inferior, incapaz de conservar a civilização que haviam deixado os franceses".
O Haiti fora a pérola da coroa, a colônia mais rica da França: uma grande plantação de açúcar, com mão-de-obra escrava. No Espírito das leis, Montesquieu havia explicado sem papas na língua: "O açúcar seria demasiado caro se os escravos não trabalhassem na sua produção. Os referidos escravos são negros desde os pés até à cabeça e têm o nariz tão achatado que é quase impossível deles ter pena. Torna-se impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma, e sobretudo uma alma boa, num corpo inteiramente negro".
Em contrapartida, Deus havia posto um açoite na mão do capataz. Os escravos não se distinguiam por sua vontade de trabalhar. Os negros eram escravos por natureza e preguiçosos também por natureza, e a natureza, cúmplice da ordem social, era obra de Deus: o escravo devia servir o amo e o amo devia castigar o escravo, que não mostrava o menor entusiasmo na hora de cumprir com o desígnio divino. Karl von Linneo, contemporâneo de Montesquieu, havia retratado o negro com precisão científica: "Vagabundo, preguiçoso, negligente, indolente e de costumes dissolutos". Mais generosamente, outro contemporâneo, David Hume, havia comprovado que o negro "pode desenvolver certas habilidades humanas, tal como o papagaio que fala algumas palavras".

A humilhação imperdoável
Em 1803 os negros do Haiti deram uma tremenda sova nas tropas de Napoleão Bonaparte e a Europa jamais perdoou esta humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país livre das Américas. Os Estados Unidos haviam conquistado antes a sua independência, mas tinha meio milhão de escravos a trabalhar nas plantações de algodão e de tabaco. Jefferson, que era dono de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas também dizia que os negros foram, são e serão inferiores.
A bandeira dos homens livres levantou-se sobre as ruínas. A terra haitiana fora devastada pela monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França, e um terço da população havia caído no combate. Então começou o bloqueio. A nação recém nascida foi condenada à solidão. Ninguém lhe comprava, ninguém lhe vendia, ninguém a reconhecia.

O delito da dignidade
Nem sequer Simón Bolívar, que tão valente soube ser, teve a coragem de firmar o reconhecimento diplomático do país negro. Bolívar havia podido reiniciar a sua luta pela independência americana, quando a Espanha já o havia derrotado, graças ao apoio do Haiti. O governo haitiano havia-lhe entregue sete naves e muitas armas e soldados, com a única condição de que Bolívar libertasse os escravos, uma ideia que não havia ocorrido ao Libertador. Bolívar cumpriu com este compromisso, mas depois da sua vitória, quando já governava a Grande Colômbia, deu as costas ao país que o havia salvo. E quando convocou as nações americanas à reunião do Panamá, não convidou o Haiti mas convidou a Inglaterra.
Os Estados Unidos reconheceram o Haiti apenas sessenta anos depois do fim da guerra de independência, enquanto Etienne Serres, um gênio francês da anatomia, descobria em Paris que os negros são primitivos porque têm pouca distância entre o umbigo e o pênis. Por essa altura, o Haiti já estava em mãos de ditaduras militares carniceiras, que destinavam os famélicos recursos do país ao pagamento da dívida francesa. A Europa havia imposto ao Haiti a obrigação de pagar à França uma indenização gigantesca, a modo de perdão por haver cometido o delito da dignidade.
A história do assédio contra o Haiti, que nos nossos dias tem dimensões de tragédia, é também uma história do racismo na civilização ocidental.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O Polêmico Programa de Direitos Humanos do Governo Lula.



Rosalvo Salgueiro, Coordenador Nacional do SERPAJ-Brasil, comenta o programa de direitos humanos do governo Lula:

O governo Lula conseguiu constranger e desagradar quase a totalidade da sociedade brasileira com o seu Programa Nacional dos Direitos Humanos 3. Não sem razão!

Em que pese o fato positivo do país ter um programa nacional de promoção e defesa dos Direitos Humanos, não se pode ignorar a desastrosa atuação das autoridades responsáveis por essa importante área numa sociedade com profundas desigualdades e injustiças como a nossa.

O principal problema desse programa não está em qualquer dos pontos polêmicos que trás no seu bojo, mas na arrogância com que o governo maneja a questão. Não é verdade que este plano seja o resultado de um amplo debate com toda a sociedade como os seus defensores vêm afirmando. Foi, isto sim, elaborado num processo de consulta e de uma série de encontros que reuniu apenas alguns setores da sociedade, notadamente alguns grupos que tradicionalmente lutam na defesa dos Direitos Humanos. Ainda assim, não todos!

O governo lula tem a mania de conversar somente com os seus e depois afirmar que o grupo consultado representa toda a sociedade brasileira.

A própria forma e a data escolhida para a implantação do programa demonstram a pouca ou nenhuma disposição para o diálogo das autoridades sobre a questão. Por decreto e durante o recesso parlamentar.

Não podia o governo esperar que tal prática fosse capaz de empurrar de goela a baixo da sociedade pontos tão polêmicos como a admissão do aborto, a limitação de competência do Poder Judiciário, restrição à liberdade de imprensa e ainda a limitação de garantias constitucionais dos cidadãos, como o direito de petição.

A sociedade brasileira é hoje muito mais ampla, plural e organizada do que supõem ou imaginam o governo e os grupos que o apóiam, e não vai , por isso mesmo, aceitar jamais ser garroteada por uma minoria, por mais bem intencionada e preparada que pareça.

É, portanto necessário e urgente que se retome o diálogo com a sociedade, tomando-se em conta todo o espectro e diferenças de opiniões que a compõe, sem deixar de fora ninguém, para então produzir um verdadeiro programa que possa assegurar aos cidadãos brasileiros as garantias e defesa dos seus Direitos Humanos, inclusive os de terceira geração, aqueles, que representam o direito que todos têm ao meio ambiente sadio e equilibrado, o direito a paz e ao desenvolvimento e o direito de co-propriedade do patrimônio comum da humanidade: a terra, a água, o ar, a energia e a luz do sol e dos ventos, por exemplo.

Tentativas de manipulações como esta, facilitam as ações e articulações das forças retrógradas da sociedade e nos coloca na vexatória situação de ser praticamente o único pais da América Latina a sofrer décadas de ditadura militar que ainda não acertou contas com o seu passado.

Há, entretanto no programa pontos importantes que não podem ser alterados, suprimidos ou diminuídos, um deles é a criação de uma comissão para apuração da verdade dos fatos ocorridos naqueles tristes anos.

Sem esses esclarecimentos e reparações, não há como se falar em reconciliação e esquecimento. Há dois mil anos Jesus Cristo já ensinava: " Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertara". Jo. 8,32

Rosalvo Salgueiro


terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Esquivel Exige Respeito aos Direitos Humanos no Irã


Na virada do ano, o governo do Irã intensificou a repressão à sua oposição política no país. No bojo dos acontecimentos que marcaram a contestada reeleição do presidente Marmud Ahmadinejad, o povo se levantou exigindo a recontagem dos votos e a transparência na proclamação do resultado. Aproveitando-se da situação, a CIA e outros opositores da Revolução Islâmica tem agido interna e externamente, inclusive incitando o povo ao uso da violência, que no entanto, tem se mantido fiel às formas ordeiras e pacíficas de protestar..

Mesmo não sendo tarefa fácil, cabe às organizações internacionais de solidariedade reclamar o respeito à democracia e o império dos Direitos Huumanos sem se deixar manipular por essas odiosas articulações.

No dia 28 de dezembro, agentes de segurança do governo prenderam a senhora Noshin Ebadi, irmã da advogada defensora dos Direitos Humanos e Prêmio Nobel da Paz de 2003, Shirin Ebadi que se encontra fora do país impedida pelas autoridades de regressar.

Adolfo Perez Esquivel, também Prêmio Nobel da Paz, dirigiu uma apelo à comunidade internacional e ao governo do Irã, nos seguintes termos:

Apelo à comunidade internacional, organizações sociais, de direitos humanos e aos governos e Igrejas, para que reclamem urgentemente a liberdade da irmã de Shirin Ebadi e de todos os que foram detidos pelo regime iraniano, por razões políticas e de opinião. Apelo ao governo do Irã o imediato fim da repressão e das torturas contra o povo iraniano.

A repressão e a crueldade que esse povo tem sofrido são uma afronta à democracia e representa gravíssima violação dos Direitos Humanos.

Peço a todos que enviem cartas à OEA, ONU, Embaixadas do Irã e ao Presidente Mahmud Ahmadinejad, exigindo a imediata libertação dos prisioneiros e o reetabelecimento do Estado de Direito.

Manifesto meu apoio solidário à minha colega Shirin Ebadi por tudo o que vem sofrendo.

Temos que resistir na Esperança.

Buenos Ayres, 30 de dezembro de 2009

Adolfo Pérez Esquivel