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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A Justição não pode ser cega: Esquivel solidariza-se com o Juiz Baltasar Garzón


Garzón, um juíz questionado por uma quadrilha de juízes!

A representação clássica de Justiça é uma mulher de olhos vendados, uma balança em uma das mãos e uma espada na outra. Eu nunca gostei desta alegoria de cegueira da justiça e menos ainda com a espada. Acredito que a justiça tem que olhar para frente, olhar de equilíbrio e verdade para fazer justiça, reparar os danos causados às pessoas e à sociedade.

Eu sempre me lembro de Henry Thoreau, que disse que toda pessoa amante da liberdade deve respeitar a lei, a respeitar e aplicar; notar que nem toda lei é justa, que as leis injustas devem ser desobedecidas até sua revogação completa. Assim, assumiu o seu compromisso com a sociedade e com gestos e ações concretas , proclamou a Resistência civil Não-violenta, que o levou para a cadeia, se recusando a pagar impostos para a guerra contra o México. A mesma atitude foi tomada por Mahatma Gandhi no movimento de libertação da Índia, Martin Luther King, Lanza del Vasto, o Dalai Lama, os movimentos indígenas, camponeses sem terra, os trabalhadores que lutam em defesa dos Direitos Humanos. Argentina e outros países latino-americanos, que optaram pelo caminho da inspiração e empenho na resistência contra as ditaduras militares que assolaram a vida de nossos povos.

As Forças Armadas buscaram impunidade jurídica e negociaram com os líderes políticos, religiosos e de setores empresariais e utilizando todos os meios para impedir a lei da verdade e da justiça dos povos. Esta situação de impunidade levou as organizações e movimentos de Defesa dos Direitos Humanos a apelarem para os organismos internacionais para abrir espaços, a fim de alcançar o direito à justiça que em nossos países foram negados.

Recordo-me do meu primeiro encontro com o juiz Baltasar Garzón, em Madri, ainda não havia sido autorizado pelo Tribunal de Justiça a assumir o processo na Argentina. Nessa primeira reunião, eu entreguei o meu testemunho como um sobrevivente da ditadura militar, foi um manuscrito em várias folhas de caderno. O encontro foi encorajador, abria uma possibilidade, e trazia a esperança de julgar, na Espanha, os responsáveis por crimes contra a humanidade cometidos por ou contra cidadãos espanhóis em qualquer parte do mundo.

Na Argentina as leis de Ponto Final e de Obediência Devida promulgada durante o governo de Raúl Alfonsín, com a cumplicidade dos dirigentes peronistas, militantes e militares, tentou impor a impunidade e o esquecimento. Seu discurso era: O passado era passado, e devia ser deixado de lado para então se olhar para frente retomar a democracia. Negaram o direito de as pessoas e as famílias das vítimas para saber a verdade.

Confrontados com a impunidade jurídica em nosso país, as organizações e movimentos de Defesa dos Direitos Humanos, recorremos a outras instâncias. Inclusive aos poderes judiciários de países como a França, Alemanha, Itália, Suécia e Espanha para garantir que a justiça assume a responsabilidade perante os cidadãos dos seus países, vítimas de ditadura militar e de aplicar o direito internacional.

O trabalho foi avançando lentamente, mas de modo firme e constante, o juiz Baltasar Garzon assumiu com responsabilidade essa tarefa e teve que superar muitas dificuldades, porém com coragem e vontade de continuar o julgamento contra o repressor argentino e chileno. A prisão do ditador chileno Augusto Pinochet em Londres teve enorme repercussão, e foi um forte elemento catalisador para o avanço da superação da impunidade e submeter a julgamento os opressores.
Juiz Garzon é incômodo para aqueles que procuram esconder a verdade e manter a impunidade jurídica, e buscam destituí-lo para evitar que se investiguem crimes contra a humanidade provocados pelo regime de Franco. Enquanto julgava os crimes em países como Argentina e Chile, o permitiram avançar sem grandes questionamentos. Quando ele começou a investigar os crimes ocorridos na Espanha, o Supremo Tribunal Espanhol busca todos os caminhos e artimanhas para impedi-lo. Agora querem destituí-lo de suas funções acusando-o de prevaricar no caso contra os responsáveis por crimes cometidos sob Franco.

Espanha, após a morte do generalíssimo Franco, que se proclamava: “ Caudilho da Espanha, pela graça de Deus”. Com isto se busca a cumplicidade do silêncio e o esquecimento, impondo-se que tudo o que povo viveu sob o regime de Franco deve ficar no passado, que é obscuro e disso na se fala.


Sacrificam, destarte,
o direito à verdade e à justiça pelo que consideram um bem maior, o retorno à democracia sem conflitos e não se deve portanto, remexer em feridas do passado.

Os juízes cúmplices da impunidade buscam afastá-lo e suspendê-lo enquanto durar o processo contra ele, a pedido de organizações franquistas de direita que são as autoras do processo contra Garzon. Infelizmente, há setores que se intitulam “ Progressistas” que se juntaram à campanha para conseguir a destituição de Garzon.

É necessário que as organizações de direitos humanos, movimentos sociais, juízes, associações de advogados, igrejas e sindicatos, se articulem e saiam em defesa do juiz Garzón em Espanha, América Latina e internacionalmente.

Fazemos um apelo para o Supremo Tribunal Espanhol para agir com serenidade e queremos dizer que a justiça não é cega: os povos têm os olhos abertos.

Juan Gelman diz: Temos na Argentina, temos juízes que violem a lei das gentes, o direito humanitário internacional, os direitos das vítimas, da moral e da ética e mais comum, talvez motivado por velhas cumplicidades. O juiz Garzón não pertence a essa classe de juízes. Ser processado por fazer justiça? Não o compreendemos na América Latina, nem tão pouco em qualquer parte do mundo!

Buenos Aires, 12 de fevereriro de 2010

Adolfo Perez Esquivel

Prêmio Nobel da Paz


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