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sexta-feira, 18 de setembro de 2009

5º FORUM MUNDIAL DAS ÁGUAS - ISTAMBUL

UMA NOVA FORMA DE COLONIZAÇÃO



Marianne Spiller e Ivete Caribé representantes do SERPAJ-Brasil no Fórum

O Fórum Mundial das Águas, teve como sede um majestoso prédio destinado a eventos, às margens do Estreito do Corno de Ouro, que todos os dias atravessávamos para vir da Praça Sultanahmet, onde se situam a Mesquita Azul e a Basílica de Santa Sofia. A abertura do Fórum se deu no dia 16 de março, com a presença de representantes e personalidades de vários países do mundo.
Já no primeiro dia, pudemos ver o enorme aparato de segurança montado para proteger os lideres mundiais presentes, mas também, para coibir manifestações contrárias aos interesses dos mantenedores desse Fórum, que são, especialmente grandes empresas transnacionais que comercializam a água, o recurso natural mais importante e necessário para a vida, por isso mesmo denominado de “ouro azul”.
A polícia turca impediu, de forma violenta, manifestações dos poucos movimentos sociais da Turquia e militantes que se postaram na entrada do Fórum, com faixas e slogans, dispersando-os com gás lacrimogêneo, jatos de água e armamento pesado, verdadeiro arsenal de guerra. Por tudo isso, talvez o Fórum Alternativo dos Movimentos Sociais, realizou-se no subsolo de um Hotel em Taksin, no período noturno, após se encerrar o Fórum oficial, sem qualquer manifestação de rua,.
Os grandes temas debatidos no Fórum Oficial, giraram em torno da escassez de água em muitas regiões e as mudanças climáticas no mundo. Sem dúvida, a água é o recurso natural mais precioso, essencial para a preservação da vida no planeta. Quanto a isso as opiniões são unânimes.
Contrapondo esse pensamento unânime, está a ganância dos grandes exploradores e mercadores dos recursos naturais, que só visam o lucro fácil, sem se importar com a finitude desse recurso vital.
O 5º Fórum Mundias das Águas em Istambul, mostrou com bastante clareza, como agem atualmente os grandes mercadores da água, assediando os representantes de alguns Continentes, povos que no passado foram espoliados em suas riquezas naturais, de forma predatória. Os africanos, asiáticos e orientais eram o alvo principal das grandes empresas francesas e norte americanas, que comercializam a água, através da privatização de suas empresas públicas, ou, engarrafando e exportando água potável.
O grande argumento dos novos colonizadores para se apossarem dos recursos hídricos desses Continentes, são os projetos de saneamento e de tratamento da água das grandes Cidades. Em condições precárias, alguns países de várias partes do mundo, não conseguem recursos financeiros para implantar projetos sanitários que atendam suas necessidades básicas, tornando-se presas fáceis dos “lobos em pele de carneiro”, acabam por entregar não só a questão sanitária, mas privatizam e repassam toda a gestão de seus recursos hídricos nas mãos das grandes transnacionais, tornando a sua população, refém dessas empresas, que passam a impor elevadas taxas para o fornecimento da preciosa água.
A América Latina, deixou, talvez temporariamente, de ser o alvo da apropriação de seus recursos hídricos, pela nova tendência de governos socialistas e nacionalistas, que abandonaram o modelo neoliberal de privatizações, adotando a gestão pública dos seus recursos naturais, muitos, utilizando-se de consultas populares para decidir sobre a forma de gestão da água, como o caso da Bolívia, Uruguai e a Venezuela.
Restou bem clara a divisão de tendências, de um lado, os comerciantes da água, disfarçados em ONG’s assistencialistas, salvadores da situação de escassez hídrica, oferecendo seus mega-projetos de gestão da água, e de outro lado, os Movimentos Sociais organizados e os Países bem situados na defesa da água, com o conceito do acesso à água, como direito humano, essencial para toda a vida do Planeta.
Vinte (20) Países firmaram uma declaração alternativa de Intenções do 5º Fórum Mundial das Águas, na última reunião do Fórum Parlamentar em Istambul, incluindo a proposta de acesso à água como direito humano. Essa proposta, foi encabeçada pelo Ministério das Águas da Bolívia, parlamentares e Movimentos Sociais desse País, Parlamentares do Chile, Uruguai, Espanha e Suíça, entre outros, Movimentos Sociais do Uruguai, Venezuela, Canadá, África do Sul e Brasil, representado pelo SERPAJ-BRASIL.
O Brasil se alinhou ao Japão, Egito e aos Estados Unidos da América, entre outros, rejeitando a proposta de incluir o acesso à água como direito humano, sob a alegação de que esse conceito poderia comprometer a soberania nacional. Esse posicionamento do Brasil, bastante dúbio, deixou a impressão de que ainda poderemos ser atacados pelo neoliberalismo e ver nossos recursos hídricos nas mãos dos grandes comerciantes dos recursos naturais, na contramão da história recente de lutas contra a privatização das águas, em vários países da América Latina, como é o caso da Bolívia e do Uruguai e outros, com bons exemplos de organização dos movimentos sociais e do povo nessa luta pela preservação da água.
Foram temas das discussões do Fórum, a polêmica da gestão dos recursos hídricos transfronteriços e a construção de barragens em rios internacionais. Problemas que a Bolívia tem enfrentado com o Brasil, especialmente com o Rio Madeira, onde várias Barragens foram projetadas, com a previsão de grandes prejuízos ambientais e econômicos ao País vizinho, tema que abordamos no Fórum Alternativo, quando ali nos manifestamos.
A experiência do Fórum Mundial das Águas em Istambul foi muito rica. Seja em algumas palestras do Fórum Parlamentar, seja no Fórum alternativo dos movimentos sociais, onde tivemos participação pelo Serviço de Paz e Justiça (SERPAJ-Brasil), como único movimento social do Brasil em Istambul. No Fórum oficial, pudemos ouvir o emocionante relato da indiana Santha Sheela, afirmando que o direito à vida, não pode ser considerado sem o direito à água, relatando sobre a verdadeira batalha diária para o acesso à água em sua região, pedindo que sejam criadas leis, que dêem direito à água de não ser agredida. Tivemos conhecimento da imensa dificuldade de obtenção de água potável no pequeno País chamado Sultanato de Omã, no Oriente Médio, onde se faz necessário dessalinizar a água do mar e captar toda a água das chuvas para suprir a necessidade da população.
Ouvimos brilhantes exposições de conhecidos militantes e defensores da água e meio-ambiente do mundo todo, como a escritora e militante canadense Maude Barlow, o não menos conhecido, herói da chamada “Guerra das Águas de Cochabamba” na Bolívia – Omar Oliveira.
No subsolo de um Hotel no centro de Taksim – parte oriental de Istambul, os Movimentos Sociais se reuniam, a partir das 19 horas, todos os dias, trazendo reflexões sobre os acontecimentos do Fórum Oficial, além das experiências dos movimentos sociais de cada País representado. Muito impressionou a grande representatividade da América Latina, através da Venezuela, Costa Rica, Uruguai, Chile e Bolívia e o grau de conhecimento e boas experiências trazidas nesse Fórum alternativo.
Mas, a grande lição que trouxemos de Istambul, é que devemos estar alertas na defesa da Água como bem público, a fim de que a sua gestão não fuja ao controle do povo, que é o verdadeiro dono desse precioso e vital recurso natural; que a discussão e conscientização da importância da água, seja tema relevante em todos os níveis da população, passando a fazer parte da educação de jovens e crianças.

Ivete Caribe da Rocha e Marianne Spiller (SERPAJ BRASIL – Serviço de Paz e Justiça)

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